Dois Colegas Não Quiseram Mexer Nesse Abscesso…

E Foi Isso Que Aconteceu.

Introdução: A Gravidade do Abscesso Endodôntico

Em muitos atendimentos odontológicos de urgência, é comum o profissional adotar uma conduta passiva diante de abscessos de origem endodôntica. Prescreve-se apenas antibiótico e analgésico, postergando a intervenção local. Essa prática, além de inadequada, pode colocar o paciente em risco grave.

A seguir, relato um caso real que evidencia a importância da intervenção imediata e correta.


O Caso: Dor Intensa, Infecção Avançada e Abordagens Inadequadas

Recebi um paciente com quadro clássico: abscesso endodôntico agudo, edema extraoral, dor intensa, sinais de prostração e dificuldade para se alimentar, hidratar e dormir.

Antes de chegar até mim, ele passou por dois profissionais. Ambos recusaram intervir, alegando que a infecção estava “muito avançada” e que não seria possível mexer até que o antibiótico fizesse efeito.

Conduta dos colegas:

  • Primeiro atendimento: prescrição de amoxicilina + analgésico, recomendando retorno em 7 dias.
  • Segundo atendimento: reforço da mesma orientação, com adição de anti-inflamatório, justificando que “não era possível anestesiar um dente infeccionado”.

O paciente, inseguro e debilitado, percebeu que o quadro evoluía mais rápido do que o alívio proporcionado pela medicação.


A Intervenção Decisiva

Na madrugada seguinte, ele conseguiu contato comigo. Antes mesmo do atendimento presencial, avaliei sinais de gravidade por telefone: presença de febre alta, respiração ofegante, dificuldade de deglutição, fala alterada ou qualquer outro sinal ou sintoma de um organismo perigosamente debilitado. Como esses sinais estavam ausentes, orientei-o a comparecer ao consultório ao amanhecer.

No exame clínico:

  • Aumento de volume extraoral.
  • Quadro clássico de abscesso endodôntico no dente 46.
  • Abertura bucal suficiente para intervenção.

Conduta adotada:

  1. Acesso endodôntico imediato: instrumentação, patência e modelagem foraminal.
  2. Medicação intracanal: Clorexidina 2% gel.
  3. Selamento provisório: resina composta.
  4. Drenagem cirúrgica: evacuação de grande volume purulento.
  5. Medicação complementar:
    • Dexametasona 4 mg (dose única).
    • Dipirona sódica 500 mg (para analgesia pós-anestesia).

O Resultado: Rápida Evolução e Recuperação

Após quatro horas, realizei o primeiro follow-up. O paciente relatou significativa melhora:

✅ Redução do edema.
✅ Alívio completo da dor.
✅ Recuperação do bem-estar, alimentação e hidratação.

Mantivemos o antibiótico por mais 24 horas, mas, com a completa regressão do quadro, a medicação foi suspensa.


Reflexão: O Que Poderia Ter Acontecido?

Se o paciente tivesse seguido apenas a conduta inicial, poderia ter enfrentado:

  • Infecção disseminada.
  • Risco de sepse.
  • Até mesmo óbito.

O antibiótico isoladamente não trata infecção endodôntica. A remoção da causa é imprescindível. Colocar a vida do paciente nas mãos de uma “roleta russa” é uma conduta inaceitável para qualquer profissional responsável.


O Papel do Cirurgião-Dentista: Intervir ou Encaminhar

Em casos como este, o cirurgião-dentista tem três obrigações éticas e técnicas:

  1. Intervir: se tiver condições clínicas e técnicas.
  2. Encaminhar: se houver limitações — para outro colega ou para atendimento hospitalar.
  3. Jamais procrastinar: deixar o paciente dependente apenas do antibiótico é um risco grave.

Conclusão: Nunca Subestime a Urgência Endodôntica

Este caso reforça uma lição essencial: diante de infecções endodônticas agudas, a conduta ativa é imprescindível para preservar a saúde — e a vida — do paciente.

Como profissional de saúde, sua decisão pode ser a diferença entre a recuperação plena ou uma tragédia evitável.


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